Câncer de mama é uma doença associada predominantemente à população feminina. A ligação não ocorre à toa: são quase 60 mil mulheres diagnosticadas anualmente, de acordo com dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca).
Por força do hábito ou desconhecimento, esquecemos que os homens têm glândulas mamárias, produzem testosterona e estrogênio, e também podem ser acometidos pela neoplasia (1% do total desses diagnósticos diz respeito a indivíduos do sexo masculino, segundo o Inca).
Com o reconhecimento de novas identidades de gênero, pessoas transexuais ou transgêneros precisam ficar atentas à doença. O médico radiologista Luciano Chala explica a necessidade de se analisar separadamente homens e mulheres no tocante à prevalência do câncer de mama.
“Mulheres trans passam por terapia hormonal para obtenção da mama com aspecto feminino. O uso de hormônio instiga um questionamento sobre eventual aumento do risco de câncer na região – o regime conduz ao desenvolvimento de um tecido com ductos e ácinos idênticos ao da mama biologicamente feminina”, explica.
Estudo publicado no periódico The Journal of Sexual Medicine acompanhou 2.307 mulheres trans que receberam terapia hormonal. A conclusão aponta: as incidências de carcinoma de mama são comparáveis aos cânceres masculinos no órgão.
Assim, os pesquisadores apontam que o tratamento hormonal em indivíduos trans não estaria associado a um aumento considerável do risco de se desenvolver tumor de mama maligno. “A ocorrência foi de 4,1 a cada 100 mil casos, superior à incidência em homens cisgênero (1,2 diagnósticos para cada 100 mil pessoas) e muito distante da reportada em mulheres (170 registros/100 mil indivíduos)”, analisa Chala.
Já o mastologista Guilherme Novita Garcia, membro da Sociedade Brasileira de Mastologia, fala sobre a necessidade de existir mais estudos a respeito do assunto.
“Nenhuma pesquisa na área médica mostra se é mais fácil ou difícil rastrear câncer de mama em pessoas trans. Ninguém sabe se esses homens e mulheres devem realizar exames de rotina como mulheres cis. Algumas mulheres trans não têm mamas, mas desenvolvem algo parecido. Já os homens trans que optam por não tirar as glândulas precisam fazer acompanhamento normalmente”, explica.
“Temos pesquisas mostrando como a terapia de reposição hormonal durante a menopausa aumenta a incidência de câncer de mama. Ou seja, a mulher trans faz uso de hormônio feminino, e isso também poderia ampliar o risco. Infelizmente, essa população não vem sendo amplamente estudada”, continua Novita.
Dificuldades de diagnóstico
A falta de informação é uma das principais barreiras para detecção da doença. 
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O radiologista Luciano Chala pondera sobre as consequências da falta de suporte que a população trans enfrenta. “Em busca de formas mais baratas, muitas mulheres usam óleos minerais ou parafina para aumentar as mamas. Isso prejudica e até impossibilita o uso da mamografia e da ultrassonografia no rastreamento”, diz.

Já em homens trans, o tórax com aspecto masculino é obtido por meio da mastectomia subcutânea, proporcionando uma redução do risco de câncer de mama – porém não anulando a possibilidade de a doença se desenvolver, uma vez que há pequena quantidade de tecido residual.
Não é necessário realizar rastreamento com métodos de imagem, mas se sugere o autoexame periódico, bem como atenção ao surgimento de nódulos ou secreção sanguinolenta. A avaliação regular é indicada apenas para subgrupos de risco, como pacientes com mutação no gene BRCA 2, síndrome de Klinefelter ou histórico familiar da doença.
Tratamentos e cura
Assim como qualquer paciente com diagnóstico de câncer, trans precisam buscar imediatamente a melhor forma de se tratar. Para o mastologista, as chances de cura são iguais às das pessoas cis, variando de acordo com o tamanho do tumor e o número de gânglios comprometidos.
“Como a maioria dos trans não sabe sobre a chance de ter câncer de mama, grande parte dos casos é diagnosticada tardiamente. Eles não procuram um especialista quando os primeiros sintomas surgem. Ou seja, ao se identificar o problema, muitas vezes o tumor já está em estágio avançado e com prognóstico comprometido”, diz.
Para homens trans optantes por não retirar a mama, a recomendação é igual ao indicado às mulheres cis: mamografia anual a partir dos 40 anos. Os que retiraram os seios precisam ficar alertas e, caso um nódulo apareça, procurar um médico. Mulheres trans em terapia hormonal com desenvolvimento de tecido mamário ou que tenham colocado prótese mamária devem buscar orientação profissional.
Tumor x terapia hormonal
“É preciso parar com os hormônios durante o tratamento de tumores. Mulheres cis, por exemplo, interrompem o uso de anticoncepcional. Homens cis não devem de forma alguma usar anabolizantes (mesmo saudáveis). As mesmas orientações se aplicam à população trans”, explica Guilherme Novita Garcia.
No entanto, um acompanhamento psicológico é imprescindível para o paciente entender: saúde em primeiro lugar.
“É complicado para as pessoas trans, pois elas conseguem com muito custo iniciar a terapia hormonal e, justo quando estão em direção a seus objetivos de se reafirmarem perante a sociedade, têm que a interromper. Mas não vale o risco, e a vida é mais importante”, explica o psiquiatra Nicolas Câmara, da Estratégia Saúde da Família e atuante na Resillia – Atendimento em psiquiatria, psicoterapia e consultoria em dependência química, saúde trans e transição de gênero, no Centro do Rio de Janeiro.
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O médico acredita na importância das políticas públicas sobre o tema e da capacitação de especialistas em pessoas trans. Por outro lado, muitos trans só procuram médicos para terapia hormonal e se esquecem dos outros cuidados com o corpo.
“O Ministério da Saúde e as secretarias precisam abordar essas questões nas cartilhas voltadas à população LGBT. Mulher lésbica precisa do exame preventivo de colo do útero, homem trans também; mulher trans precisa realizar o exame de toque aos 50 anos, assim como homem gay”, defende
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