(Texto Sgt Pm Wilaney)
Hoje de serviço, me deparei com uma cena que achava ser igual a tantas outras que já resolvi no meu dia a dia como policial. Porém, no decorrer da diligência, percebi que não se tratava de um ocorrido frequente. Ao receber a ligação do 190 a policial Rosimeire Silva solicitou que nos deslocássemos para a sede da companhia, onde se encontrava uma senhora maltratada pelo tempo e sofrimentos diários. Quando a interrogamos, a senhora nos pedia ajuda pois um elemento teria arrombado sua casa, levando a cesta básica que havia ganhado de uma pessoa próxima. Junto a mulher, havia um menino sentado no chão do quartel, sujinho e descalço, trajando uma blusa velha também sujinha, com os olhos tristes do mesmo sofrimento da mãe, aparentando cinco ou seis anos. Cheguei perto e perguntei para o garoto: “Você já comeu?” ele balançou a cabeça negativamente, mesmo estando com medo pelo fato de eu estar fardado. Imagino que já deveria ter ouvido muitas vezes’ Fique quieto, senão chamo a polícia’. Fui até a cozinha, peguei uma maçã e ofereci, ele levantou e percebi que não estava vestindo short ou cueca e, ainda assim, pegou a fruta sem medo ou vergonha, lançando uma mordida e saciando ali sua vontade de comer algo. A mãe disse: “Eu acho que ele vai vomitar, porque nunca comeu maçã.” Eu ri e lhe disse: “Vai nada! ele é retado e vai gostar.” Perguntei onde estavam o short e a cueca do menino, ao passo que ela respondeu que não os tinha, pois teria de esperá-lo crescer para que as roupas dos outros filhos mais velhos coubessem nele. Colocamos os dois na viatura, ela no meio, eu de um lado e o colega do outro.
Com o menino no colo, nos deslocamos para Juacema com o objetivo de encontrar o elemento que havia furtado seus alimentos. No caminho, resolvemos passar em frente a uma loja de roupas de um amigo chamado SR NOCA, possuidor de coração maior que o mundo. Ao falar com ele, fez de prontidão uma doação ao menino que vestiu com alegria o short com o desenho do homem aranha. A mãe parecia não entender nada, penso que em sua mente ela pensava: “Como pode policiais serem assim?”
O menino que horas atrás olhava para nós com olhar de desconfiança e medo, já pegava na minha mão dentro da viatura como se me conhecesse ou se eu fizesse parte de sua família.
Ao seguir, chegando próximo do povoado, a senhora disse: “Moro ali, ele quebrou a janela e adentrou em minha casa para roubar.” Perguntamos onde poderíamos encontrar o elemento conhecido como Cristiano ao passo que ela nos guiou por uma estrada de chão, informando que ele ficava em uma roça. Infelizmente, ao chegarmos no local citado, não encontramos o elemento. Ao olhar dentro da casa, a senhora não encontrou nada, contudo, nas proximidades da residência, estavam dois quilos de arroz, um dos sacos rasgado e outro inteiro, ambos jogados no chão: “Ali está uma parte do que eu iria comer hoje com meus três filhos”. Ela nos dizia. Decidimos dar mais uma volta ao redor do local, mas não encontrando o elemento, resolvemos por fim voltar e deixá-la em sua casa.
O destino final era uma casa rosa, com duas janelas rachadas e uma porta que qualquer brisa derrubava, sua residência. A senhora me convidou para entrar e olhar o local onde elemento havia pulado. Ao passar os olhos pela casa, me deparei com uma cena que nunca havia visto: A casa se dividia em dois quartos e uma cozinha. No primeiro quarto, havia um acúmulo de roupas em cima de um papelão por não ter um local para guardá-las. No segundo, três colchões no chão, finos e gastos pelo tempo, um para cada filho. Na cozinha, um fogão de lenha somente com uma panela escura queimada pela fumaça da lenha utilizada para cozinhar. Logo chegou o outro filho, este arrumado e tomado banho para ir à escola; eu lhe perguntei onde havia água para beber, pois não avistei nenhum pote moringa ou mesmo qualquer recipiente para armazenar água. O garoto me respondeu que todos bebiam a água do tanque. Perguntei o que iriam comer, ele disse possuir cinquenta centavos, que compraria um cavaco e tomaria um copo de suco até chegar a hora da merenda na escola. Meu Deus, eu nunca havia me sentido tão péssimo.
Foi nesse momento de tristeza porém que descobrimos o quanto ainda existem pessoas boas nesse mundo desigual. Fiz algumas ligações e conseguimos arrecadar algumas roupas e alimentos para aquela família. Realizamos uma doação para que eles pudessem comprar o que almoçar e no momento me questionei: “Como pode alguém roubar de quem já não tem nada?” Deixamos a senhora com seus filhos em casa e voltamos todos pensativos com aquela cena, que nos ensinou tanto, mas que cravou em meu pensamento a imagem do menininho da maçã e o estado desumano que ele estava.
Postar um comentário