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Ilustração |
Em mais uma história da vida real, o Sargento PM Wilaney relata, uma situação que nos levará a refletir mais uma vez, sobre a vida. Vida muitas vezes esquecidas, abandonadas, e que um simples ato de amor, pode devolver a dignidade de um homem.
O fato ocorreu no povoado de Olhos D'água, quando o Sargento inda trabalhava na 3ª CIPM, na cidade de Jaguarari, pertencente ao 6º BPM.
Confira mais um emocionante relato do Sargento Wilaney
Havíamos acabado de encostar na companhia em um dia de serviço às 13:00 da tarde para almoçar quando a viatura do SAMU parou ao nosso lado. Junto ao motorista e da socorrista vinha Renata, a chefe do CAPS. “Estou precisando da ajuda de vocês para medicarmos e resgatarmos um paciente em um povoado”. Ela nos dizia, de forma breve. Deixamos o almoço de lado e partimos junto a ambulância até o local determinado. Chegando no povoado, avistamos um grupo de pessoas gesticulando e falando “É aqui!”. A ambulância parou e logo atrás vínhamos nós na viatura, éramos três policiais. Descemos do veículo e fomos em direção aos moradores que diziam se tratar de um irmão violento e agressivo, que estava ‘atacado’ e se encontrava em um quartinho, nos fundos da casa.
Com a adrenalina a mil, seguimos em direção ao rapaz, agora de modo invertido: a gente na frente e o pessoal do SAMU atrás. Passei os olhos pelo local e vi um quartinho sem porta, meio escuro, com uma cama de madeira sem o lastro, somente um papelão entre a armação e, no canto mais escuro, um homem sentado no chão de terra batido. A barba e os cabelos grandes, todo sujo, muito magro e com olhar assustado para nós. Nós também estávamos assustados. Sem saber a reação dele, tirei minha arma e passei para o colega dizendo: “Gracenio, passa tua arma também ao Bruno, ele está sozinho e não vejo arma, facão, foice, ferro ou qualquer pedaço de madeira que possa nos atingir.” O quartinho só possuía uma saída. Quando eles concordaram, estiquei o braço para o homem e lhes disse: “Boa tarde...”, bem no cantinho, ele me falou algo que não consegui compreender. Fui me aproximando bem devagar, com o braço ainda esticado, tentando manter algum diálogo com ele; de sua boca saiu um som que eu pouco entendia. Ao chegar bem próximo, ele segurou minha mão, estava trêmulo e suas mãos molhadas de suor. Havia tanto medo nele. Os cabelos e barba longas cobriam seu rosto. Eu ainda tentava manter algum contato e lhes perguntava se estava tudo bem. Puxei o homem devagar, ele foi levantando aos poucos e vindo em minha direção, largando minha mão e segurando no meu braço como uma criança. Ao olhar para suas mãos, percebi as unhas enormes e sujas, estando as dos pés do mesmo jeito.
Levei-o para fora do quartinho em direção a ambulância e aquele homem, horas dito ser violento e agressivo, agora parecia mais uma criança desorientada e perdida. Mesmo na ambulância, ele não largou meu braço, e dado a isso, tive de ir junto aos socorristas, enquanto os colegas seguiram na viatura. Chegando no CAPS, estando o homem já medicado, eu perguntei à Renata se eles possuíam uma máquina de cortar cabelo, ao passo que ela me confirmou. Enquanto ele me olhava, comecei a cortar seu cabelo e depois a barba. Ali percebi que a dignidade de um ser humano estava sendo restaurada. Pedi ao pessoal um espelho e mostrei seu rosto, lhes dizendo “Esse é você!“ ele olhava e sorria, e para minha surpresa, as meninas que ali trabalhavam chegaram com roupas e logo o levaram para o banheiro para que pudessem lhes dar banho.
Foi incrível ver aquele ser humano renascendo e tendo sua dignidade restaurada. Não sei o que houve com ele depois, pois fui transferido para outra unidade e perdi o contato do pessoal do CAPS e desse cidadão anônimo, quase inexistente para o mundo.
Autor: Sgt PM Wilaney
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